Prestação de Serviços Médicos em ClínicaPrivada

 

A prestação de serviços médicos em clínica privada tem sido dividida em 3 diferentes tipos. Contrato total, em que o paciente contrata com uma clínica ou hospital de “uma só vez” os serviços do médico, contrata o internamento, a locação e compra e venda de medicamentos e a empreitada para a confeção de alimentos. O contrato total com escolha de médico, que não será mais do que um contrato total que exclui parte dos serviços médicos (necessariamente contratados à parte). E o contrato dividido, no qual a Clínica apenas assume as obrigações decorrentes do internamento (hospedagem, cuidados paramédicos, etc.), enquanto o serviço médico é directa e autonomamente prestado e acordado com, e por, um médico.

Definir e delimitar a relação contratual em causa é fundamental no momento do apuramento de eventuais responsabilidades contratuais. Sendo que, no primeiro e segundo casos, haverá responsabilidade contratual da Clínica, por todos os danos ocorridos, enquanto no terceiro caso, a clínica não é responsável pelos actos médicos mas apenas relativo aos actos de internamento, havendo neste caso dois contratos separados, respondendo o médico pelo seu próprio incumprimento.

Para tanto, os tribunais têm recorrido ao método indiciário. Recorrem, portanto, a “pistas” e procuram apurar se, por exemplo, há dois recibos separados, um para os cuidados de internamento e outro para tratamento médico, ou pelo menos, um recibo com os honorários discriminados e diferenciados; ou determinar a relação contratual que une o médico à Clínica: tratando-se de um contrato de trabalho, ou uma prestação de serviços regular, o médico presume-se um auxiliar da Clínica, aplicando-se o regime do contrato total ou total com escolha de médico; já se o médico tem total independência de horários, organização do tempo ao longo do ano, ou se o cliente procura a Clínica a pedido do médico, então estaremos perante um contrato dividido.

Determinado e delimitado o contrato que liga o paciente à clínica ou hospital e ao médico e apurada a responsabilidade contratual “geral”, não pode deixar de apurar também a responsabilidade pelo acto médico. Põe-se, então, também a questão de saber se a responsabilidade médica é contratual ou extracontratual. A regra é a da responsabilidade contratual do médico, correspondendo a responsabilidade extracontratual do médico a uma excepção que, em geral, ocorre em situações em que o médico tem de atuar com urgência, em que não foi colhido o acordo ou o consentimento do paciente quanto à sua atuação ou à sua intervenção. Este último, não será o caso da prestação de serviços em clínica privada em que se exigirá sempre o consentimento, pelo menos verbal, do paciente.

Apurada então a responsabilidade contratual do médico no caso de se estar perante uma modalidade de dividido, deve proceder-se então à análise do acto em si mesmo e qualificar tal acto quanto à (i)licitude. Ora, é condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida. Isto é, que o pacientes estejam cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica. Assume então particular relevância a forma e conteúdo do consentimento informado prestado pelo paciente. Tal consentimento, ainda que feito, se não for prestado de forma completa pelo médico e dado de forma esclarecida pelo paciente, frequentemente levará à responsabilização do médico. Ou seja, no âmbito de uma intervenção médica, a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis, e mesmo não se provando a violação desse dever, ainda assim, sempre se terá de averiguar se foi devidamente cumprido o dever de informar o paciente dos riscos inerentes à intervenção médica e o paciente os aceitou de forma esclarecida.

João Marques Vilar,

Sócio na Vilar & Associados – Sociedade de Advogados